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O Mais Terrível Sonho

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Dormia.    E dormia profundam ente, devido à insistência de sempre, sempre, querer ouvir as músicas assim que eram lançadas, à meia-noite. Mesmo que não pudesse manter a completa atenção à melodia, às nuances de timbres, instrumentos, compassos e tons; mesmo assim, insistia.    E à sua insistência deveu-se o sono profundo que desfrutava, depois de muitas noites mal-dormidas para conseguir a incrível proeza de ler um livro por dia.    Já era quase manhã, aquele momento em que um pequeno véu cinza-azulado ameaça a escuridão completa da madrugada. Aquele momento em que, se fosse em uma fazenda, um galo já estaria cantando, apenas para aquecer, antes dos verdadeiros trabalhos.    Em meio ao silêncio total d esse momento de paz, seu inconsciente pôs-se ao prazer da tortura.    Inesperadamente, pois raramente acontecia, estava sonhando.    Nunca sonhava. Não de forma coesa, de modo a revelar algum segredo de sua psiquê; ao contrário,...

Descasca.

esses toques frios soam como agulhas em minha pele  em meus ouvidos nas profundezas de minha razão alcançam todas as camadas e divisões e deixam seus rastros de muitos modos a paralisia de meu estômago a intrusão de ideias até chegar à clinomania  tudo isso descortica e passam até mesmo por minhas dicotomias da leitura ao canto da melodia ao rabisco do brilhate ao mofado até chegar à não-verbalidade tudo isso descama por fim penetram o que resta umedecem oxidam deixam frágil os vínculos o reflexo o límbico e entregam cesuras o punho fechado a unha na carne o auto-asco ou apenas essa coisa porosa e persistente o nada até chegar à alexitimia tudo  isso DESCASCA.

Somos

Os seus olhos castanhos me acalmam, sempre.  Os cabelos altamente cacheados e sempre volumosos, também.  E são sempre seus lábios que me dirigem as melhores palavras que eu poderia ouvir.  O modo como me acaricia ou me abraça, até como me olha, é terapêutico. Não posso dizer que dependo de você.  Não dependo, nem de forma emocional, e muito menos da forma mais comum: a romântica.  Até porque, somos zucchini, e não amantes. Nos amamos de forma que não seja uma amizade, e de forma que não seja um romance.  Amizades não são complexas como nós, e romances não são simples como nós. Apenas somos. É isso que aprecio em nós. Eu, apenas sou. Não homem, não mulher, não-gênero. Não do punk, não do clássico, não-de-um-só.  Você, apenas é. Não impressionista, não surrealista, não classicista. Não sempre, não nunca, não-contabilizado. Em essência e à parte, somos. Mas em uníssono, somos também. Não mais, não menos, não melhor e não pior. Não artistas, não insensívei...

Não quero um relacionamento.

      Estava lendo uma página do Aroaceiros, um site sobre representatividade aroace (quando se é arromântique e assexual). A página era: “Conferência Assexual 2020: Ace e Etnicidade”. Mais especificamente, estava em uma parte sobre expectativas familiares acerca de casamento, filhos, etc. Comecei a pensar sobre como minha família – mais os outros do que minha mãe, mas ela não escapa – parecem nutrir o pensamento de que, um dia, vou estar em um relacionamento. Já disse diversas vezes que não pretendo me casar, que para mim é besteira, obviamente não gerando nenhum resultado positivo deles. Mas mesmo que alguns entendam – como minha mãe – que eu de fato não vou me casar, e que está tudo bem não querer um casamento, parece que todos ainda esperam que eu, ao menos, namore um dia.    A reflexão fluiu para como eu realmente não me vejo em nenhum tipo de relacionamento amoroso ou sexual. Rótulos como “ficante”, “namorade”, “marido”, entre outros, realment...

De dia, sorvete; de noite, sopa.

"De dia tomo sorvete  de noite tomo sopa" Segundo meu psicólogo, doutor Vinícius, esta é uma frase de Paulo Lemisnki, o qual ele diz não gostar muito.    Começou a sessão retrasada (dia 18, sexta-feira) com a pergunta: "Gosta de Paulo Leminski?" Não, não sou um grande fã, assim como ele.     "Há uma obra dele, falando sobre Curitiba: 'de dia tomo sorvete, de noite tomo sopa'. Semana passada você veio aqui de sobretudo, e agora está de bermuda", e sorriu.    De fato, o clima de Curitiba é, no mínimo, estranho. Até a última quinta-feira estava um calor de até 30°C, e agora somos recebidos com um frio de 13°C e chuva.    Num geral, converso mais com meu terapeuta sobre obras literárias, arte e política do que sobre meus problemas mentais. Prendo-o no meu papo cult  até onde conseguir. Não adianta muito, no final ele sempre me faz voltar ao assunto "como você está?", ou faz uma metáfora relacionando o papo cult  com minha saúde men...

lembro muito bem de você.

 a cor dos olhos o formato do sorriso o modo como caminhava como gesticulava lembro de como gostava do contato a risada alta e estridente as curvas a boca lembro de cada abraço a pele morna contra a minha o cabelo sob meus dedos a iluminação da janela das viagens das brigas da razão da resiliênca proteção companheirismo comida. muita comida. lembro de cada palavra sua. do cheiro do vento tudo que posso fazer é lembrar momentos tão específicos... hoje, minha memória é falha         tudo me escapa mas, quando se trata de você,  lembro tanto que dói.  AK

Foram dias perfeitos, e isso me assusta.

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  Desde o dia 06 deste mês (domingo) até o dia 17 (quinta-feira), li quase 1.300 páginas, como mostra o gráfico abaixo (estou adorando fazer isso).  Já havia algum tempo que eu não conseguia ler muito, uma inércia literária devido ao eurocentrismo de Victor Hugo em Os Miseráveis. Portanto, estava muito feliz em estar lendo tanto. Mas ler muito também pode nos fazer mal. Estava com os olhos doendo na quinta-feira, e mesmo assim li 81 páginas. Decidi que no dia seguinte e durante o fim de semana inteiro, não leria nada.  Sexta-feira fui ao colégio (com minha linda choker de couro e spikes, devo me gabar), fui ao psicólogo (que descobri ser punk), voltei para casa e apenas arrumei minhas coisas para as aventuras dos dias seguintes. Também limpei alguns livros de história  — cortando meu dedo com papel no processo, pela primeira vez; foi legal.   Não li uma página sequer. Também não tinha a menor vontade.  No dia seguinte, acordei cedo, tomei banho, me ves...

O Lorax - o que fizeram com você, dr. Seuss?

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     O filme O Lorax: em busca da trúfula perdida, da produtora Illumination, de 2012, teoricamente baseado na obra de dr. Seuss, retrata um jovem garoto morador de Thneedville, cidade onde não há natureza, apenas árvores de plástico e ar vendido em galões (invenção do homem mais poderoso da cidade, O'Hare). Esse jovem garoto, Ted, apaixonado por uma garota que ama árvores, atravessa os muros da cidade para encontrar o Umavez-ildo, o homem que supostamente sabe o que houve com as árvores. Encontrando um local cinza e escuro, sem qualquer vegetação ou céu aberto.    Umavez-ildo conta ao garoto como destruiu toda a natureza daquele lugar por pura ganância. Zildo, seu nome real, foi um jovem desprezado pela família, que fez uma invenção incrível: o thneed, que serve para qualquer coisa (um chapéu, uma toalha, uma bicicleta), feito de uma árvore de fibras macias, que existe em abundância. Zildo, então, começa a derrubar árvores para fazê-lo, mas é impedido por Lorax...

Surpresa?

   - Surpresa!     É o que todos gritam, estourando confetes e acendendo as luzes, quando a aniversariante, de olhos arregalados e boca entreaberta, entra pela porta principal.    Seguem-se os abraços, beijos e bonificações. A luz ambiente torna perfeitamente possível enxergar, mesmo deste canto mais isolado da sala, as gordas gotas d'água a descer pelo rosto da aniversariante, tornando brilhante a pele cor de ébano.    Todos se apressam para distribuir os doces, cortar o bolo e tirar fotos. Todos os acontecimentos ritualísticos de qualquer aniversário.    Não consigo entender. Quer dizer, num geral, todos lembramos perfeitamente de nossos aniversários. Sabemos quando a data está próxima, mesmo quando não temos nenhuma intenção de comemorar. E, num geral, nossos parentes também sabem e aguardam a data, esperando, talvez, que você dê uma festa onde poderão se deliciar das mais diferentes categorias de comida.    A pergunta...

Carta Aberta.

      "A  carta aberta é um gênero textual com função de direcionar alguma mensagem, questionamento ou solicitação de determinado indivíduo para alguma pessoa ou organização de reconhecimento público."     " A estrutura desse gênero se assemelha às das cartas pessoais, mas possui um caráter argumentativo".      Não as que vejo por aí. As que consumi nesse adorável mundo de redes sociais, em especial nosso amigo YouTube, são cartas para personagens. Representações. Um pai, no caso do youtuber  Tropia. O próprio vazio, no caso de Ludoviajante. São cartas pessoais, livres de qualquer argumentação, recheadas de sentimento.     Portanto...     Carta aberta a você. Pessoa que me faz sofrer constantemente.     Você, que teve este fardo em péssima hora. Antes mesmo de ter um cérebro completo.     Você, que faz com que tudo gire ao seu redor.     Você. Você.      Não sei mais quem v...

Medo da Vida

— Do que você tem medo? — A criança me pergunta, e seus amigos param tudo o que estão fazendo para ouvir a resposta.    Eu tenho medo de muitas coisas. Poderia dizer que sou uma das pessoas mais medrosas que você conhece. Mas não medroso como a maioria das pessoas.     Eu sei do que tenho medo. Medo de filhos da puta e seus padrões. Mas como explicar isso pra crianças de sete anos?    Enquanto essas crianças esperam respostas como "Medo de escuro", ou "Medo de monstros", o que eu, um adolescente de 17 anos, deveria responder?    Eu não tenho medo de altura. É reconfortante estar no alto. Eu não tenho medo de brinquedos perigosos. Ao menos eu sinto algo: adrenalina. Não tenho medo de drogas. Eu fumo maconha, afinal. Não tenho medo de insetos. Já até colecionei uma vez. Não tenho medo do escuro e nem de fantasmas. Sou ateu.     Eu não tenho medo de morrer…    — Eu tenho medo da vida. … … …    — Ah, para de bri...