Surpresa?

   - Surpresa! 

   É o que todos gritam, estourando confetes e acendendo as luzes, quando a aniversariante, de olhos arregalados e boca entreaberta, entra pela porta principal.

   Seguem-se os abraços, beijos e bonificações. A luz ambiente torna perfeitamente possível enxergar, mesmo deste canto mais isolado da sala, as gordas gotas d'água a descer pelo rosto da aniversariante, tornando brilhante a pele cor de ébano.

   Todos se apressam para distribuir os doces, cortar o bolo e tirar fotos. Todos os acontecimentos ritualísticos de qualquer aniversário.

   Não consigo entender. Quer dizer, num geral, todos lembramos perfeitamente de nossos aniversários. Sabemos quando a data está próxima, mesmo quando não temos nenhuma intenção de comemorar. E, num geral, nossos parentes também sabem e aguardam a data, esperando, talvez, que você dê uma festa onde poderão se deliciar das mais diferentes categorias de comida.

   A pergunta que gira na minha cabeça é: como? Como essa moça poderia, de alguma forma, não achar estranho que ninguém, seja da família ou de seu círculo de amigos próximos, tenha mencionado seu aniversário? Que não tenham perguntado o que pretende fazer, com quem irá comemorar, e todas essas perguntas entediantemente típicas acerca de datas comemorativas? 

   E agora ela sorri, dá risada, agradece aos prantos, como se não imaginasse que fossem aprontar algo do tipo. Assim como ela, todos os presentes "convidados" também acham completamente normal essa cena diretamente tirada de algum filme hollywoodiano dos anos 2000.

   - Será que ninguém consegue achar isso sinistro...?

   - O quê? - pergunta Alex ao meu lado. Acabei pensando em voz alta.

   - O fato de ela não ter previsto toda essa "surpresa" - digo, como se fosse algo óbvio a se pensar. E é.

   Silêncio.

   - Pelo amor de deus, só coma o bolo e pare de pensar besteiras - e se dirige em direção à mesa.

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